segunda-feira, 28 de março de 2022

Varanasi

Baba Raju

Varanasi, Banaras, Kashi. Tudo nomes duma cidade milenar que ecoa pelas memórias do tempo e da nossa civilização humana. Hoje é um local onde tanto se podem encontrar homens nus a espalhar bênçãos por entre os crentes ou corpos a ser cremados junto a um rio que tanto significado tem para os hindus, o Ganges. Descendo dos cabelos de Shiva e assim ligando o plano dos deuses com o plano material, este rio assume fundamental importância pois quem nele se banhar ou a ele as suas cinzas/corpos forem lançadas é automaticamente limpo dos seus pecados ou atinge o desapego da vida material, libertando-se do ciclo da reencarnação pois todo o seu karma é limpo. É este o motivo pelo qual milhões de indianos peregrinam a esta cidade desde os tempos mais imemoriais. 

roupa a secar depois de lavada

A cidade de Shiva, o deus da destruição, ou uma bonita metáfora para a necessidade de destruirmos o que há de mau ou antigo nas nossas vidas e assim dar espaço para o novo, para a criatividade e o fluir da vida no que há de vir.

Nesta cidade em que o sol nasce a este sobre uma praia vazia e se põe a oeste sobre a cidade, tudo tem a ver com contrastes e com dualidade: vida/morte; destruição/criação; material/imaterial, e por aí fora. É a cidade onde os shiva lingams, estátuas de deuses, árvores sagradas, o próprio rio são carregados de energia através dos rituais, poojas e aartis, que assim mantêm os seus poderes activos e disponíveis para todos sentirmos. A vibração das nossas células quando nos aproximamos ou entramos nestes locais debaixo da terra ou junto ao rio é algo maravilhosamente mágico e vivo. Os próprios gaths (escadarias que descem para um corpo de água) são locais por eleição para sentir esta energia da cidade. Paradoxalmente junto ao rio, tudo é calmo, tudo flui, dentro e fora de nós. Uma experiência de silêncio e imersão que a cidade possibilita e que nos prende a ela, tal é a maravilha e a viagem interior que realizamos. Tinha de ser assim.


Vestir o sari depois de se banhar no Ganges

Quando nos sentamos num dos dois burning ghats (crematórios) activos, que funcionam 24 horas e onde se queimam os corpos de quem assim faz a passagem, não deixamos de apreciar a beleza sensorial de tudo isto que se desenvolve à nossa frente. Os corpos são limpos e cobertos com uma pasta de madeiras e óleos perfumados  e carregados envoltos em tecidos brancos ou avermelhados (homem ou mulher) sob o mantra “Ram Ram Satahé” (traduzido como através do deus Rama - avatar de Vishnu, o deus preservador na tríade Brahma, Vishnu, Shiva - entras no céu) por parte de quem os carrega. São mergulhados num primeiro banho purificador no rio e depois colocados na pilha funerária. Cobertos por mais madeiras perfumadas, como sândalo, e são cremados num processo que pode levar até 5 horas. Durante todo este processo o filho mais velho com os pêlos do corpo todos rapados e envolto numa túnica branca espera pacientemente que o processo termine. No meio do crematório, com cheiro de madeiras e carne queimadas, vacas comem os restos das flores que cobriam antes o corpo no momento do seu transporte. Alguns cães tentam puxar um osso ou pedaço que fique mais a jeito e prontamente são corridos pelos vigilantes do crematório ou familiares do defunto à paulada. Estes mesmos vigilantes do crematório peneiram as cinzas à procura de dentes ou anéis de ouro, que os familiares sabem que ao serem descobertos não serão a si entregues (aqui está uma das belezas do desapego, o que importa não são as posses ou o corpo em si do defunto, mas sim a fotografia de quem morreu, em casa, num altar em que todos os dias se fará uma pooja para celebrar e facilitar aquela pessoa). Alguém lava a roupa ou se banha mesmo ao lado do sítio onde as cinzas foram colocadas no rio enquanto os familiares observam os corpos a arder e bebem chá de limão ou chai vendido pelos vendedores ambulantes que por ali vão passando. Turistas tiram fotografias do rio, em barcos a remo ou a motor, e o rio flui, como desde sempre. Flui continuamente em direcção ao mar, levando e lavando tudo o que a nossa mente cria ou tenta prender-se a. Esta constância de tudo, desde o rio que flui, até aos rituais e vida ao longo dos séculos, traz-me certa tranquilidade que me relaxa e deixa num estado de transe e desapego. Em que tudo é irrelevante e coerente, pois tudo está no seu caminho e tudo está certo. É uma experiência religiosa, de religar, profunda com a espiritualidade que habita em mim.

Purificações e purificado

Depois, levanto-me e, calmamente, caminho até à casa do Gopal, numa das muitas ruelas milenares da cidade, onde me sento a conversar com ele, sobre a vida, sobre a cidade. Prepara-me um dos seus lassis fresquinhos com leite das suas vacas que viviam no rés do chão da sua casa mas que agora habitam numa pequena propriedade que comprou perto da cidade. Aparece o seu filho, Nimish com o pequeno babu que ainda não tem nome por ter nascido à pouco tempo e que já tem a cara com pequenos borrões negros para afastar o mau olhado. Falamos, rimos, enquanto os peregrinos passam entre o templo dourado (o mais sagrado de Varanasi para os crentes) e o rio onde primeiro têm de se banhar antes de entrar no templo. Alguns tomam um lassi e conversam connosco, oriundos dos mais remotos cantos da Índia, outros passam e sorriem. 

Shiva entre nós

A vida flui por esta cidade e tudo está bem, a energia de Shiva, presente em cada canto, em cada shiva lingam, em cada templo e em cada pessoa, fazem com que ela permaneça igual, ano após ano, século após século, vida após vida. Cada um destrói a correria do tempo e vive-o na sua plenitude. Tudo está bem. Tudo flui.

Gopal a preparar um lassi





segunda-feira, 21 de março de 2022

Turismo Regenerativo

Nos últimos anos tenho investigado e debruçado sobre o turismo regenerativo. Mas o que é isto de turismo regenerativo? Na verdade é um conceito que começa a aparecer cada vez mais nos dias que correm e que tenta ir mais longe que o turismo sustentável. A ideia de que podemos ter um turismo sustentável e que se prese por um impacto neutro ou que permita o manter do status quo tem de ser levantada. Para isso aparece então este turismo regenerativo que parte do pressuposto que podemos ter um impacto positivo abrindo as portas a um legado benéfico para os futuros emergentes com base na mudança de paradigma.

Assim, pretende-se que cada um de nós realize acções mais conscientes e responsáveis que reflitam um estilo ou filosofia de vida de cada individuo que está mais em conexão consigo, que é mais conhecedor de quem é e dos seus ritmos. Este será o ponto de partida para tudo o que vem depois. Olhando para dentro e para quem somos, para os nossos pontos fortes e fracos, para o que nos faz brilhar e sorrir, encolher ou chorar. Quais as nossas vulnerabilidade e onde e quando nos sentimos expostos mas também quando estamos fortes. No fundo percebermos melhor quem somos ajuda a estabelecer a base para a relação que temos depois com os outros. Ajuda a empatia com quem está do outro lado e, seja animal humano, ou animal de outra espécie, seja do mundo vegetal ou de qualquer outro reino, ajuda a conexão de um ponto comum: todos somos parte deste meio integrante que nos sustenta, a natureza. 

Huaraz, Peru em 2012
Desta forma urge então perceber como podemos ajudar e contribuir com a nossa vida, com as nossas acções para preservar e impelir a natureza. Sem sermos deuses ou arrogantes ao ponto de pensar que a podemos controlar, mas aceitando que podemos ter um papel no seu equilíbrio do qual todos beneficiamos. Não estou a dizer que temos de abandonar a ciência e tudo o que ela e a nossa história nos tem proporcionado ao longo de milhares de anos, mas sim ajustar os nossos comportamentos como parte integrante deste todo e não acima de algo ou alguém como tem acontecido nos últimos séculos ou milénios de evolução contínua em cima dos recursos que estavam disponíveis e agora ou escasseiam ou deixam de existir, em cima de explorados e oprimidos, em cima de modelos económicos ao serviço de uns e não de todos, etc ao ponto da nossa própria sobrevivência estar em causa neste planeta.

Portanto o turismo regenerativo pode ter respostas e pode ter um papel fundamental a desempenhar na medida em que permite a cada individuo olhar para si, olhar para os que o rodeiam, olhar para as relações sociais e económicas com os que os rodeiam mas também com o ambiente. Permite ter uma visão global e integrada de todos os intervenientes neste tempo e espaço que cada um ocupa na passagem por esta terra que é única. Não há de facto planeta B para nós porque dependemos dele para sobreviver. Para o universo e para o planeta há muito mais que isso, há vida que continua depois de nós. Sem querermos ser arrogantes ao ponto de querermos declarar-nos os salvadores das outras espécies e do planeta, temos de pegar nas rédeas das nossas acções e declarar-nos responsáveis por elas e caminhar rumo à sua transformação, à sua regeneração em algo positivo, em algo que permita um futuro.

workshop de culinária para grupo com a Papa-Léguas em aldeia rural no Laos

Visitas com o Baba Raju em Varanasi com grupo da Papa-Léguas 
O turismo regenerativo pode não ter todas as soluções, pode não ter todas as respostas mas tem um caminho claro rumo a algo mais que a sustentabilidade: a mudança de paradigma. A mudança de mindset do vamos fazer o melhor possível para não destruir, para vamos fazer o tudo para melhorar o que está feito. Com a mudança de atitude não há mal que não se mude, dizia o Gabriel o pensador e penso que aceitando a responsabilidade e com coragem mergulharmos todos no que podemos fazer melhor e diferente, no ter tempo para relacionar connosco e com os outros, podemos descobrir um caminho diferente e cooperante entre todos, que inclua todos e que se sobreponha aos nacionalismos, aos especismos, aos superiorismos que cultivamos e alimentamos para sustentar regimes e sociedades cansadas e desgastadas por séculos de erosão e abusos políticos, sociais e humanos.

Alojamento local de uns amigos na ilha das Flores

Na prática é, por exemplo, estar além do ir consumir local ou focar no que é de um sítio. É procurar respostas que cá têm impacto no outro lado, fazer parcerias e redes de apoio entre organizações e pessoas com ideais semelhantes para dar estrutura e força aos movimentos emergentes que podem ajudar a transformar o que já existe. É assumir a mudança e querer fazer parte dela ao invés de apenas a mencionar ou apoiar esporadicamente. É ouvir e abrir à novidade sem a rejeitar e sujeitar ao politicamente correcto dos últimos séculos que é marcadamente sexista, racista, especista, consumista. É olhar para o todo e para o particular e encontrar as pontes para que ambos se retro-alimentem sem prejuízo e em cooperação ao invés de competição. É assumir um lugar na natureza que é parte integral dela e nem está nem acima nem abaixo, mas sim no seu todo e que permite interagir e viver em cooperação com ela.

Recomendo muito ler o livro Designing Regenerative Cultures do Daniel Christian Wahl (link aqui) e ouvir o podcast (link aqui) da Anna Pollock dedicado ao Turismo Regenerativo.

Tudo isto e muito mais será o turismo regenerativo mas sem o nosso contributo e vivência diária de uma filosofia regenerativa não nos leva a lado nenhum. Por isso o nosso planeta A é aqui, no presente e no viver e ser agora de forma consciente, desperta e responsável.



segunda-feira, 14 de março de 2022

A pressa não mora aqui

Viajar é, desde há muito tempo, a forma predilecta de conectar com o desconhecido e com a realidade que está no destino ou destinos para onde nos deslocamos. Desde há muito tempo também, que as formas de viajar se vêm modificando e adaptando aos viajantes das épocas em que viajam. Se antigamente o conceito de slow travel era algo típico de uma viagem (fosse ela de negócios, militar, comercial, peregrinação, etc), hoje em dia é um conceito disponível apenas para uns poucos felizardos. 


Desde logo a sociedade e a forma como está organizada impele a que, em viagem, se faça um consumo voraz do tempo, distribuindo-o por um conjunto de sítios, monumentos, cidades, considerados de interesse, muitas vezes, por outros que não o próprio viajante. Assim, questiono-me sobre o que nos leva realmente a viajar? Será ainda um desejo de explorar o mundo pelos nossos sentidos ou tão somente o assimilar de experiências e contactos com realidades e locais, pessoas, que no nosso imaginário adquiriram a forma, o contexto, a dimensão projectada por tanta leitura, facebook, instagram e outros meios que nos estão disponíveis no quotidiano? É também engraçado notar que, mesmo que não sejam estas as fontes, há, e haverá sempre, uma qualquer fonte de onde bebemos uma ideia ou conceito sobre o que nos espera ou iremos encontrar sobre esse destino onde nos propomos ir. Na verdade a forma da informação chegar até nós apenas mudou, se antes eram as histórias à volta da fogueira, depois os relatos e mitos dos contadores espalhados por palácios, salões e tabernas, hoje são as redes sociais que a internet possibilita o veículo principal para propagar o que é ou deve ser uma viagem (os 6 cafés imperdíveis em; as 29 experiências inesquecíveis em; etc). Sinto até que a forma como as pessoas ouviam e interpretavam todas estas histórias e contos não mudou muito. Estarmos a ouvir um bardo a contar a história de um homem com corpo meio de cabra meio  de homem e três olhos a ajudar a construir um palácio para um rei generoso ou vermos alguém a pousar para uma foto junto de local icónico não terá mudado muito em termos da percepção que temos, o espanto e a curiosidade que sentimos. Hoje podemos efectivamente mostrar este ser descrito em cima, caso o encontremos, e se isso não acontecer temos sempre a pose fácil e o discurso de influencer construído. É aqui que, para mim, reside a questão de viajar. Podemos ver tudo nos social média deste mundo e procurar isso quando estamos no destino e ainda assim não ver nada. Por oposição, antigamente, à volta de uma fogueira podíamos imaginar e criar as realidades que um qualquer contador nos estimulava a ver, a criar. Ainda assim, não podemos sentir o que isso é. Podemos ver ou ouvir à distância estas histórias, relatos, imagens mas não podemos falar sobre elas até vê-las ao vivo. Tocá-las e senti-las a ganhar a dimensão que a presença nos devolve sobre o que está a ser dimensionado. 


A viagem é e sempre foi uma ferramenta para nos expor à contemplação interior. Ao encontro entre o que temos e é nosso (imposto ou aceite), a nossa cultura, valores e contexto, e ao que pertence ao outro. É neste encontro que podemos fazer pontes ou erguer barreiras. É neste encontro que podemos compreender o nosso sentir perante as emoções, os sentimentos e as necessidades que surgem e que temos de olhar para continuar a manifestar uma presença com a qualidade dela mesmo, presente, crítica, empática, viva. É por isso que considero que viajar devagar é fundamental: sem pressa; sem tentar apenas fazer as coisas ou ir até aos locais e ao encontro de pessoas que outros aconselham. Só podemos olhar para o que é nosso e para o que vem do encontro entre o que é nosso e o que é dos outros através dos sentidos, dos nossos sentidos. "O que é essencial é invisível aos olhos", já dizia o principezinho. Portanto viajar devagar, viajar com calma, viajar sem pressa é, cada vez mais, imprescindível. Seja para o contemplar demorado e necessário sobre o que é nosso, sobre as nossas fronteiras emocionais, sobre os nossos julgamentos e ideias do outro, do seu contexto da sua forma e realidade. Seja para perceber a natureza e o outro na sua plenitude, abrindo a nossa percepção ao que vem e como vem o estímulo que a viagem proporciona através das pessoas, dos momentos, dos locais e da natureza que vão desfilando perante o nosso plenário pessoal. Viajar é viver e potenciar a transformação. Perante os conflitos de hoje e as suas especificidades, desde Taiwan, passando pela Birmânia, Palestina, o mais recente da Ucrânia e não esquecendo os tantos conflitos que proliferam em África e as guerras políticas interesseiras na américa do sul. Todos estes conflitos desaguam ainda no clima e as suas manifestas alterações e são temperados a imposições de novas regras e restrições com o COVID. De tantas formas temos uma quantidade de perspectivas, de contemplações e acções ao nosso dispor para tomar o mundo como nosso, como dizia o Krishnamurti, e que apenas fazendo isso podemos assim ter a responsabilidade de cocriar o mundo em que queremos viver. Sem isto, sem esta contemplação primeiramente interior, sem depois a posterior análise emoção/razão, coração/cérebro, não podemos estar presentes e vivos no construir do mais sagrado que há para cada um, o seu caminho. 

A pressa não mora aqui e, portanto viajo, contemplo e aprendo, mudando onde tenho de mudar, largando o que não serve e trabalhando a qualidade desta presença minha em empatia e análise contínuas no caminho que é meu. Esta mudança de mindset tem-me ensinado muito e permite realmente ligar e conectar com qualquer destino, tentando potenciar e apoiar o que de positivo e benéfico se faz com as pessoas, natureza e negócios nestes sítios, longe ou perto, por onde estendo o meu contemplar.

sexta-feira, 11 de março de 2022

Um olhar para o futuro desde o passado

Como alguns saberão, outros nem tanto, em 2011 e 2012 realizei uma viagem que me levou a dar a volta ao mundo e que está espelhada ao longo do início deste blogue. O meu mundo conhecido e o desconhecido. O mundo exterior, da física e da matéria e o interior, aquele da metafísica e da espiritualidade. 

Foram muitos os sentimentos que senti e as necessidades que vi surgirem. Sentimento de tristeza por ir partir e não ver os meus familiares, amigos e pessoas que me são muito queridas por algum tempo. Felicidade por partir e realizar um sonho que há tanto me acordava em noites de insónias. Incerteza pelo que iria encontrar e porque aventuras me esperavam, até se iria conseguir completar o que me propunha fazer: viajar à volta do mundo. Curiosamente o medo estava presente mas era algo que me dava algum conforto pois eu sentia que me deixava alerta. Enfim, com os sentimentos percebi a necessidade de ter um meio de comunicar para casa de forma mais regular e também de acalmar (sim, não imaginam como estava a minha mãe com o facto de eu ir embora um ano e picos pelo mundo fora) quem ficava. Em 2011 as telecomunicações não estavam ainda tão desenvolvidas como hoje e o mundo dos smartphones estava muito no começo. Talvez o exemplo melhor fosse o velhinho blackberry que é um remoto parente dos mais recentes iphones ou outros. Levei comigo um nokia 3310, resistente e compacto para o que podia ser uma viagem com momentos mais duros e menos confortáveis. Tendo tudo isto em mente pareceu-me que o blogue, na época, sem intagram ou um facebook ainda verde, seria o melhor formato. Criei o Trechos do Mundo, nesta plataforma. Trechos pois era isso mesmo que pretendia mostrar ou partilhar, o mundo através dos trechos que me iam aparecendo e que eu ia presenciando, vivendo.

Quero partilhar aqui a lista de países que pensei visitar e que coloquei no blogue

Então a lista de países pensada é:

  • França
  • Croácia
  • Bósnia
  • Sérvia
  • Bulgária
  • Turquia
  • Irão
  • Emirados Árabes Unidos
  • Omã
  • India
  • Nepal
  • Tibete
  • China
  • Vietnam
  • Camboja
  • Laos
  • Tailândia
  • Malásia
  • Indonésia
  • Nova Zelândia
  • Chile
  • Argentina
  • Paraguai
  • Bolívia
  • Peru
  • Brasil (Amazónia)

Hoje olho para esta lista e vejo ambição mas também um pouco de irrealidade. Tinha pensado numa viagem de um ano e se fosse viajar ao meu ritmo, muito devagarinho portanto, jamais num ano completaria esta viagem. Por outro lado vejo países que sempre me chamaram atenção e que ainda não visitei. Um dia talvez. Mas lá irei com calma. Estou a escrever este texto porque, tal como esta lista, a vida tem-me levado por caminhos que às vezes não são os esperados ou os pretendidos mas sim os que nos são apresentados. Não tenho a Colômbia na lista e no entanto acabou por ser o último país que visitei antes de regressar à Europa e depois a casa. E que tempo incrível lá passei e que saudades tenho da Colômbia.  Portanto às vezes há que aceitar as surpresas ou o rumo e fluir com ele. Talvez isto seja uma perspetiva bonita e até exclusiva de quem viaja com tempo, de quem vive com tempo. 

Chego onde queria. Vivemos num tempo estranho. Não pelo Covid, mas porque temos tempo para refletir e para mudar comportamentos. No entanto não o fazemos. Passados 11 anos desde a minha viagem, continuo a ver as pessoas a viajar apenas e só as suas duas semanas porque têm toda uma vida preenchida com o trabalho, com o cuidar de outros e, felizmente, algumas vezes com o cuidar de si. Talvez seja um sonhador e até um individuo que viva em utopias, mas anseio pelo dia em que mais pessoas possam fazer listas de países e lançar-se pelo mundo fora de encontro a essas aventuras e encontros que só o mundo sabe proporcionar. Talvez a viagem seja lançar-se na construção da casa que sempre quis fazer com as mãos, ou aprender a tocar bateria. Depois desta pandemia passar ainda não voltei a viajar fora da Europa e apenas os relatos que vou recebendo de alguns amigos que o fizeram me deixam sedento de ir lá a esses orientes e ocidentes distantes revisitar amigos, conhecer novas amizades e explorar-me em geografias e momentos à espera de ser revelados. Até lá fico, por onde estou e a seguir este novo rumo que a vida, com todo este tempo que generosamente, me deu. É também uma viagem construir lar. Solidificar amizades e relações. Sentir o ser dentro deste coração que bate em mim e a invasão de felicidade que sinto nestes dias e que aqui partilho convosco.

Tantos andarilhos tem a história e tantos tão desconhecidos. Tantos iluminados tem a história e tantos tão desconhecidos. A viagem mais para dentro é sem dúvida a viagem mais para fora, leva-nos aos limites do nosso universo. Atravessa as ruas da amargura e da felicidade. Por vezes retém-se no largo do êxtase; ou então perde-se nos becos da tristeza. Tanta gente, tanto julgamento. Tanto pensar e sentir. Tanto... Mas onde está o silêncio que nos deixa contemplar e parar. Que nos deixa viver e andarilhar

Espero estas semanas ter um terreno e começar a construir uma casa em madeira. Espero esta semana continuar a delinear o projecto que quero realizar com turismo regenerativo. Espero conseguir criar as condições para me dedicar a escrever mais textos, a amar a vida e as pessoas que a compõem e silenciar para contemplar o que a natureza tem para mim.




Apetece-me escrever, nesta hora ainda coerente, apesar de tardia, algo que é para ser lido de madrugada.

Não sei onde caminhamos hoje, se sobre o manto da história dos vencedores ou dos vencidos. O tempo passa, as vidas discorrem com ele e tudo flui nesse canal dum sentido que o tempo tem. As notícias, as pessoas, o mundo, as pedras, tudo passa pelo anel do tempo e tudo vem em ciclos e se vai em ciclos que apenas levam mais ou menos tempo a se repetir.

Penso quando, antigamente, alguém pegava num livro e de repente as pessoas à volta olhavam indignadas para todas aquelas pessoas que passavam tempo a ler ao invés de trabalhar no campo ou em qualquer coisa que produzisse algo, uma panela, uma espada, uma estátua, etc. Hoje vivemos o mesmo com os telemóveis em que pegamos num e temos acesso a mais informação, a mais mundo e mais coisas que em toda a história da humanidade. Na internet temos sentimentos, ódio por discursos, amor por ideias, curiosidade por estórias e notícias, até notícias falsas e outras verdadeiras. Temos youtube, instagram e spotify, temos tanta coisa que podemos usar para tudo e para nada. E as pessoas que olham para a malta que usa o telefone ficam de sobrolho levantado a pensar que nada produzem aqueles energúmenos que passam a vida a olhara para o telefone. Afinal não se evoluiu assim tanto.

Os livros levavam e levam-nos a pensar, a desafiar a mente, a criar mundos e a tentar perceber a lógica da vida. A internet dá-nos tudo isto e remove de nós a capacidade de reflectir sobre esse mesmo mundo em que vivemos e que ela nos dá. Será? Não será a nossa inépcia e falta de educação enquanto sociedade para utilizar as coisas como elas são? Ferramentas? às vezes passo minutos longos a ver filmes e documentários, a ler livros e notícias que estão dispersas pela internet. Através da janela do meu telefone. Mas também passo horas afim a contemplar montanhas e florestas. A sentir o cheiro de flores e conversar comigo e com outras pessoas. Discutir, conversar, falar, dialogar, logicar ...

Não sei onde caminhamos mesmo. Porque tudo é questionável e no entanto poucos questionam as coisas agarrados ao estado das mesmas em que temos de viver.

Eu viajo pelo mundo, o meu trabalho leva-me a poluir o planeta por um lado com as inúmeras viagens de avião que faço. Sou eu próprio um produto desta sociedade consumista e escudo-me na experiência e mais valia que trago nestas viagens ao proporcionar momentos de autenticidade que teimo e teimam em acontecer. Seja com amigos e famílias que apresento e faço questão de visitar com os meus viajantes, seja com os meus momentos pessoais com os grupos em que sou eu e sou assim. Claro que há pessoas que não gostam, ficam a olhar de sobrolho levantado e a pensar que não estou a produzir algo suficientemente interessante para a sua viagem. Acaba por ser tudo sobre quem viaja e onde estão a viajar. No entanto eu também lá estou e viajo à minha maneira na viagem que possibilito a que seja viajada por cada um que comigo viaje. E que bom!

Todos temos telhados de vidro e o mundo, como o tempo, move-se para a frente e dificilmente voltamos atrás. Ninguém quer perder a tecnologia que salva vidas nos hospitais. Ninguém quer perder os facebooks, instagrams e wikipedias desta vida. Ninguém quer deixar de poder ligar para o outro lado do mundo para ter informações sobre familiares, amigos, etc. Percebo isto, mas gostava que também todos percebemos que, da mesma forma que os familiares, amigos e etc., estão do outro lado do mundo e podemos comunicar com eles pelo que alcançamos até hoje como raça humana, também outros têm de abdicar do que ainda têm para podermos ter essa evolução. É um discurso bonito e sentido da minha parte sem dúvida. Mas também é um apelo aquilo que de mais sagrado há em nós.

Há muitas maneiras de estar no mundo, a ler livros, contemplar montanhas, no instagram, a trabalhar, etc. mas há uma coisa absolutamente essencial que temos de manter e nunca perder. Acredito na nossa singularidade, no nosso interior único que tem de ser descoberto e posto ao serviço, primeiro, de cada um e depois do todo. Temos de ser mais ovelhas negras, não a desafiar a autoridade, mas a questionar o que nos rodeia e o que queremos. Temos de exigir que nos oiçam e nos dêem a possibilidade de sermos nós e só quando o conseguirmos fazer haverá possibilidade de saber onde caminhamos, para onde caminhamos. É que do lado dos vencedores estamos a caminhar para vencidos e do lado dos vencidos apenas reza o que os vencedores escrevem e em nenhum deles está uma história do que verdadeiramente somos senão do que temos feito.



De Buenos Aires a Porto Alegre parte III (Argentina, Uruguai e Brasil)

Booom dia e boaa semana!

Então continuando a saga da viagem que estamos a fazer até Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, hoje venho iniciar a semana com as praias do Uruguai! Yeeey

Porém, antes de continuar com as praias queria abordar um tema, mate vs chimarrão. A importância deste tema é que nos é sempre oferecido, seja em boleias, seja em ambiente social quando conversamos ou estamos com alguém que viva entre a Argentina, Uruguai e o estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

Mate vs Chimarrão

Pois é! Já muitos ouviram falar que na Argentina e no Uruguai se bebe mate. Mas afinal o que é isto do mate ou do chimarrão. Bom, na verdade o mate não é mais que uma infusão feita a partir da erva-mate e que é já bebida deste tempos beeeem antes dos europeus chegarem à américa do sul. O mate é preparado numa cuia (tigela) e bebido por uma bombilla (espécie de palhinha com furinhos na ponta que entra no mate para filtrar as ervas do chá). A grande diferença entre o mate e o chimarrão, e que o primeiro tem a erva menos moída que o segundo. Ele é colocada na cuia, depois mete-se água quente e dá-se à primeira pessoa para beber. Esta sorve a bebida e repete-se o processo até acabar a água ou todos estarem satisfeitos. Fácil não é?

Parte da Argentina, o Uruguai e no Rio Grande do Sul, Brasil, a cultura predominante é a gaúcha, a par de algumas tribos que ainda subsistem e dos descendentes de colonos alemães, italianos e portugueses. Assim no Rio Grande do Sul bebe-se chimarrão e no resto das terras gaúchas mate. Nunca se nega mate a ninguém e quando estamos satisfeitos de beber o mate que partilham connosco, simplesmente agradecemos e da próxima vez que for o nosso turno de beber já ão nos é oferecido. Leiam aqui um pouco mais se tiverem interesse.
Mate                                                           Chimarrão

Existe ainda uma solução fria que se chama tereré e que é igual ao mate/chimarrão mas frio.

Agora quando passearem por estas bandas já sabem o que levam aquelas senhoras e senhores nas malinhas de cabedal ou porque andam com um termo de água (e não uma baguete) debaixo do braço e uma mão sempre ocupada a segurar um recipiente.

Punta del Este, Punta Rubia e Cabo Polónia

Agora no que concerne à viagem saímos então com ... chuva, outra vez, de Montevidéu, e, por isso, optámos por viajar de autocarro outra vez. Mais uma vez na companhia COT e saímos de manhã em direcção a Jose Ignacio onde iríamos encontrar dois amigos da Cami, a Mika e o Nacho, ambos uruguaios, mas que vivem parte do ano a trabalhar na Itália e outra parte a trabalhar e descansar no Uruguai.

Lá fomos atravessando a paisagem maioritariamente urbana nos arredores de Montevidéu, depois mais verde com eucaliptos e outras árvores mais locais pontuadas por praias. O Uruguai é um vasto campo de cultivo e pastoreio. Campos de vacas a pastar vão-se intercalando com campos cultivados com soja e cereais (milho ou arroz). São assim as grandes produções do Uruguai: leite e seus derivados; carne; soja; milho e arroz. Antes dos europeus lá chegarem já não haviam grandes florestas, mais índios e campos fartos em relva e vegetação rasteira. Depois foram-se matando e isolando os índios para ter acesso a essas terras férteis que eram ocupadas com vacas, ovelhas, cabras e diversos cultivos para alimentar todos estes animais e as pessoas. E assim se foi desenvolvendo a economia que ainda hoje se baseia fortemente nestas actividades fora das cidades.

Mais recentemente e com a descoberta da ida à praia como actividades de férias, começaram a crescer as cidades junto das praias. Uma espécie de algarve lá do sítio onde Punta del Este é a Vilamoura lá da zona. Prédios altos, vivendas, campos de golfe, clubes nocturnos, restaurantes e uma catrefada de coisas caras para se fazerem antes, durante e depois dos mergulhos no mar.

Fiquei muito desapontado com Punta del Este. Já tinha ouvido falar de ser fixe, mas vendo de perto não passa de um aglomerado de habitações (que variam entre o mais e o menos luxuoso, o bonito e o feito), vazias durante grande parte do ano e que se enchem de vida com os citadinos que assim têm uma cidade onde passar as férias não tendo de fugir muito dos supermercados perto de casa, os ares condicionados, os restaurantes com tudo do bom e do melhor. É uma triste sina esta em que se transformam as férias. Não mais que uma extensão do conforto e do que temos em casa. Cada vez se quer descansar mais não pensando, não olhando para dentro, não participando do local. Ao invés, quanto menos se fizer e mais adormecidos estivermos da vida em casa melhor. Assim temos de voltar para a "vida real" no final das férias. Não, a vida está a acontecer sempre, é real e temos de a viver como gostamos de a viver, sempre despertos e não adormecidos!

Enfim, deixando Punta del Este passamos na ponte mais fixe de sempre, uma ponte ondulada que se chama puente leonel Viera ou puente de la barra.

Ponte ondulada (foto da net)
Chegados a Jose Ignacio, ou melhor à entrada desta vilazinha junto ao mar. Conseguimos comunicar com quem nos esperava que ainda não tinha conseguido sair de onde estava em Punta Rubia, pelo que decidimos ir directos até lá e tendo ja perdido o autocarro que seguiu viagem decidimos ir à boleia. O sol abriu e á nos colocámos na estrada de dedo esticado. Mais à frente falo de andar à boleia, por agora foco-me na viagem.

Demorou cerca de 10 minutos mas lá passaram duas argentinas que nos levantaram e deixaram na estrada nacional onde depois de uma hora, mais ou menos, lá passaram dois uruguaios de férias que nos levaram mais uma rapariga argentina até Rocha. Daí formos outra vez à boleia com um surfista e construtor de pranchas de surf até La Paloma, onde nos apanharam dois colegas que trabalhavam num hostel em Punta Rubia onde acabámos por dormir depois de encontrar os nossos amigos.