quarta-feira, 7 de junho de 2023

Potencial e mudança de mindset

Hoje refletia com uma amiga sobre o que é isto do potencial e de como o vemos ou interpretamos à luz dos nossos interesses. Se dizemos a uma pessoa: "tens imenso potencial", quer dizer que reconhecemos nela capacidade para fazer mais e, provavelmente melhor, numa determinada área ou campo da vida. O potencial de uma árvore é, talvez e segundo a minha amiga, viver a sua vida plenamente desde que intocada pelos humanos. Nós é que podamos para estimular o seu crescimento e espalhamos os ramos e folhas à volta para regenerar solo. Mas do ponto de vista da natureza o potencial é inexistente. A natureza não se preocupa com o que aquela árvore pode ou não produzir ou tentar com que produza mais ou menos. Naturalmente a vida e, talvez em paralelo, a produção da árvore seguem o seu curso. 

O mesmo se aplica, talvez, ao que é visto como regenerativo. Será que afirmar que existe um consumo regenerativo faz sentido? A verdade é que penso que não, na medida em que se é regenerativo não pode assentar em algo que é consumido, explorado, que extraia valor, recursos de outros seres, terra incluída, que é o consumo (pelo menos como o vivemos). O que é consumido não volta mais. O que usamos tem de ser feito de forma a que o que é extraído, seja, de alguma forma, reposto ou criadas as condições para que se substitua naturalmente. Na agricultura regenerativa, poda-se para estimular o crescimento e criar biomassa que permita aos solos regenerarem-se. Tentamos acelerar o processo natural porque o nosso tempo é limitado e porque, apesar de tudo, precisamos de comer para viver. Se pudermos viver num planeta equilibrado, com ar limpo, plantar água e regenerar solos, melhor. A alternativa é o colapso dos sistemas que, aliás, se tem vindo a verificar um pouco por todo o mundo e que resulta na degradação das condições de vida na terra, com impacto directo nos seres humanos: a extinção.

Se calhar não a extinção de todos mas de muitos seguramente, entre os seres vivos que habitam este planeta. O mais incrível é que do ponto de vista do planeta, é indiferente se nos extinguimos agora ou amanhã, ele continua. Regenera-se, o que não deixa de ser uma curiosa ironia. Também importa, para mim, perceber que cooperação e cocriação são realidades que podem e devem existir cada vez mais ao invés de competição e separação. Esta filosofia de um e um são dois por oposição a um mais um são dois é muito interessante para se tentar caminhar para uma forma de estar mais assente naquilo que podemos trocar e partilhar rumo a esta regeneração.

Corações ... há muitos :)

Não me quero focar tanto na extinção, mas sim naquilo ao meu alcance e que pode ter impacto enquanto vivo, tanto na minha vida como nas vidas dos outros (animais, seres vivos, vida). O turismo , assente num pensamento regenerativo ao serviço da vida, pode ser uma ferramenta que auxilia este movimento a acontecer e cocriar a mudança de mindset necessária em nós para abraçar estas mudanças de forma local e global. Não é possível combater sozinhos as alterações climáticas! Não é possível mudar o mundo sozinhos, mas podemos ter comportamento e agir de forma a contribuir para isso e, juntos, sermos mais fortes.

Os cogumelos formam redes de comunicação impressionantes

Nos caminhos que tenho percorrido na vida, depara-se um que muitos desafios emocionais e profissionais me está a lançar: como tornar as minhas tours mais regenerativas.

Na prática como faço isto perguntam-me. Já me estendi sobre o assunto um pouco no artigo anterior e quero continuar a fazê-lo. Se alguém o sentir, por favor comuniquem-se para podermos desenvolver o potencial desta ideia de regenerar a mente, o corpo e a alma.

O que é regenerativo está em constante mudança mas o potencial que as pessoas têm, enquanto viajantes, enquanto visitados, está lá e podemos usá-lo. Se podemos optar por actividades, por formas de nos deslocar mais ao serviço do que acreditamos, mais ao serviço dessa vida que é maior que nós e que é transversal e atemporal, talvez seja mais interessante e verde a nossa pegada e a nossa própria forma de estar no mundo.

O turismo tem este condão de poder aproximar as pessoas, de mostrar as realidades e as opções disponíveis, de criar possibilidades que se transformam em potencial concretizado. Apesar de sermos natureza, temos esta opção de escolher o que queremos fazer e, conscientes do impacto disso, munidos de um mindset diferente podemos fazer diferente e podemos potenciar impactos positivos e que ajudam a cocriar uma realidade diferente.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Bases do Turismo Regenerativo


Beeee yourself

Refletindo sobre uma pergunta que me fazem constantemente, “na prática o que é o turismo regenerativo?”, é importante começar por explicar o pensamento regenerativo que o sustenta.

Começo por relembrar que não há uma história única das coisas (como apresentado pela Chimamanda Ngozie), o que me leva a refletir sobre a necessidade de não haver uma história única de mim e do meu papel e impacto no mundo, na vida. Esta ideia aliada à procura de pontes para o que existe à minha volta, formam um pensamento que é cada vez mais uma filosofia de vida. Filosofia esta que me ajuda a questionar e refletir sobre quem sou, qual é o meu ritmo e como melhor posso viver em harmonia entre o que está vivo dentro de mim e esse mundo que me rodeia. Para isso, desenvolvo actividades e procuro experiências que me permitam estar em ligação comigo. Que façam a ligação entre a natureza interna e a externa. Ao agir assim, percebo claramente que não tenho de ser uma engrenagem de uma máquina que vem sendo constantemente melhorada ao longo de séculos com o sacrifício e exploração de recursos de forma nada sustentável ou regeneradora. 

Esta é uma mudança fundamental de mindset e esta mudança é fundamental porque permite olhar para a forma como vivo sob uma perspectiva global e ao serviço de um todo maior que eu: a vida. 

Procuro então formas de participar activamente na minha comunidade para encontrar soluções e ideias para responder a desafios locais que tenham impacto positivo na minha vida e na própria comunidade e natureza. Desde criar e participar em colectivos e cooperativas, até deslocar-me de forma mais sustentável, como a bicicleta ou transportes públicos, e ainda procurando consumir o que é local e da época. Estudar e criar conteúdos para falar e transmitir sobre pensamento e turismo regenerativo é outro campo a que me dedico. São tudo exemplos de estar ao serviço da minha forma de ver e viver o mundo, alinhados com um ritmo que é o meu e que começa no meu coração e depois irradia para fora. 

Monte Bromo, Java, Indonésia
Assim, ao olhar para o turismo, que é a minha paixão e fonte de rendimento principal, viajar de forma regenerativa, significa:

  • Imersão na cultura local: ao invés de visitar muitos lugares rapidamente, dedico mais tempo a cada destino para realmente conhecer as pessoas e a cultura local. Interajo e participo em actividades comunitárias com o intuito de ser habitante local por um dia.

  • Empoderamento comunitário e participação activa: procuro e apoio projectos e iniciativas que capacitem as comunidades locais. Participo em actividades e serviços turísticos que são liderados por pessoas da própria comunidade, garantindo que o turismo traz benefícios diretos para os habitantes locais.

  • Encerramento de ciclos: promovo a sustentabilidade e a regeneração através do contributo para o encerrar dos ciclos de recursos em vez do desperdício e exploração dos mesmos (como explicado no Story of Stuff). Isso pode incluir o uso de práticas de reciclagem, redução ou eliminação do desperdício; utilização de fontes de energia renovável e apoio a projetos de conservação ambiental; comer em restaurantes ou negócios familiares que produzem, confeccionam e dão uma utilização aos restos da alimentação não utilizados ou confeccionados para produção de composto, alimento de animais; etc.

  • Compras sustentáveis: procuro e adquiro produtos que sejam pensados e produzidos localmente. Opto por produtos artesanais, alimentos orgânicos e souvenirs que reflitam a identidade e cultura da região visitada. Desta forma apoio a economia local e incentivo práticas regenerativas. Verificar se os produtos consumidos são oriundos de marcas fair trade e fair label, por exemplo, é outra forma de consumir de forma consciente..

  • Deslocação consciente. Tento sempre viajar de formas o mais sustentáveis ou regeneradoras possíveis entre onde estou e o destino. Quando realizo actividades em viagem procuro as melhores formas de deslocar-me e aos grupos de modo a utilizar recursos e serviços já existentes que verifiquem a mesma filosofia regeneradora.

Repito que tudo o que faço em viagem, é o resultado da forma como vivo em casa e que  mudança de mindset foca-se num impacto positivo e na criação de condições para potenciar e capacitar futuros emergentes mais positivos tanto em casa como os destinos onde viajo (como colocado pela Sandra Matos). 
Estes são os princípios do pensamento regenerativo que, quando aplicados ao turismo, podem potenciar uma mudança e uma transição para o turismo como uma ferramenta (como apresentam a Anna Pollock e Michelle Holiday) em que os indivíduos, as comunidades e a natureza vivem em complementaridade e colaboração, contribuindo para um sistema mais resiliente e regenerador.

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Regeneração, regeneração, é só regeneração ...

Cordilheira Branca | Cordilheira Negra - Peru
Ao longo destes últimos anos estudei e vivo o pensamento regenerativo. Mais do que uma solução, é uma forma de pensar e de viver. A regeneração é um passo mais neste caminho que pretende estar ao serviço da vida. 
Ao longo da minha vida tenho viajado e vivido um pouco pelo mundo. Desde sempre parti pelos trilhos do planeta para o conhecer, para o sentir, para o viver. A verdade é que descobri que só em presença posso realizar o que me propus. A presença que apenas o tempo permite. Quando damos tempo, quando a pressa não mora onde estamos. Só assim conseguimos dar o tempo para essa qualidade de presença sobressair e a conexão existir. Conexão com o que está vivo em nós, com o local que nos rodeia e as possibilidades de ligação a ele, através das pessoas, da natureza, dos objectos, de tudo. 
Cada vez sinto mais desconforto em apanhar um avião para cruzar meio mundo e aterrar com um grupo de pessoas lá na outra realidade distante e diferente. A verdade é que não é assim tão diferente, na medida em que quem está lá, são pessoas também. Temos essa ligação humana como algo comum. Choramos, rimos, ficamos doentes, recuperamos, da mesma maneira por exemplo. É certo que com diferentes “mães culturas” (Ismael, Daniel Quinn) a sussurrar diferentes soluções para a vida, mas com este potencial humano em comum.

Portanto, quando me penso como um ser ao serviço da vida, não posso deixar de olhar para mim, para a relação comigo. Para as decisões que tomo no que me afeta em relação ao que como, à forma como me desloco, aos serviços, actividades, coisas que adquiro ou proporciono, tanto em casa como em viagem. Somos o que comemos, somos o que fazemos, e somos o que pensamos. Por isso, na regeneração, há que olhar para nós como uma parte que pertence a um todo. Todo este que é maior que nós e que engloba a natureza, os outros, o nosso contexto, a vida no geral. Não podemos olhar para o mundo de forma isolada, nem de forma partida, quebrada, pois é uma malha onde todos somos importantes para o resultado final.
Focando no que é importante, a regeneração de cada um, a mudança de mindset rumo a um mundo mais ao serviço da vida e do que ela representa: possibilidades. Possibilidades de transformação, de crescimento, de comunidade e de aprendizagens. O turismo, ao viver-se com pensamento regenerativo, adquire esta possibilidade de ser uma ferramenta ao serviço da vida. De empoderar as comunidades e, por arrasto, os indivíduos que as compõem. De dar novo alento e significado ao pacto entre nós e a natureza, não como exploradores, mas sim como parte integrante dela. De alimentar o ser que habita em cada um, como um ser que se questiona, que se vive e prospera na sua relação consigo, com o outro, com o mundo, com a vida.
É que, o mundo não vai a lado nenhum, mas nós vamos, vamos rumo a uma extinção em massa se continuarmos neste rumo. 

Portanto vamos trabalhar para mais regeneração? 🌱