sexta-feira, 11 de março de 2022

Apetece-me escrever, nesta hora ainda coerente, apesar de tardia, algo que é para ser lido de madrugada.

Não sei onde caminhamos hoje, se sobre o manto da história dos vencedores ou dos vencidos. O tempo passa, as vidas discorrem com ele e tudo flui nesse canal dum sentido que o tempo tem. As notícias, as pessoas, o mundo, as pedras, tudo passa pelo anel do tempo e tudo vem em ciclos e se vai em ciclos que apenas levam mais ou menos tempo a se repetir.

Penso quando, antigamente, alguém pegava num livro e de repente as pessoas à volta olhavam indignadas para todas aquelas pessoas que passavam tempo a ler ao invés de trabalhar no campo ou em qualquer coisa que produzisse algo, uma panela, uma espada, uma estátua, etc. Hoje vivemos o mesmo com os telemóveis em que pegamos num e temos acesso a mais informação, a mais mundo e mais coisas que em toda a história da humanidade. Na internet temos sentimentos, ódio por discursos, amor por ideias, curiosidade por estórias e notícias, até notícias falsas e outras verdadeiras. Temos youtube, instagram e spotify, temos tanta coisa que podemos usar para tudo e para nada. E as pessoas que olham para a malta que usa o telefone ficam de sobrolho levantado a pensar que nada produzem aqueles energúmenos que passam a vida a olhara para o telefone. Afinal não se evoluiu assim tanto.

Os livros levavam e levam-nos a pensar, a desafiar a mente, a criar mundos e a tentar perceber a lógica da vida. A internet dá-nos tudo isto e remove de nós a capacidade de reflectir sobre esse mesmo mundo em que vivemos e que ela nos dá. Será? Não será a nossa inépcia e falta de educação enquanto sociedade para utilizar as coisas como elas são? Ferramentas? às vezes passo minutos longos a ver filmes e documentários, a ler livros e notícias que estão dispersas pela internet. Através da janela do meu telefone. Mas também passo horas afim a contemplar montanhas e florestas. A sentir o cheiro de flores e conversar comigo e com outras pessoas. Discutir, conversar, falar, dialogar, logicar ...

Não sei onde caminhamos mesmo. Porque tudo é questionável e no entanto poucos questionam as coisas agarrados ao estado das mesmas em que temos de viver.

Eu viajo pelo mundo, o meu trabalho leva-me a poluir o planeta por um lado com as inúmeras viagens de avião que faço. Sou eu próprio um produto desta sociedade consumista e escudo-me na experiência e mais valia que trago nestas viagens ao proporcionar momentos de autenticidade que teimo e teimam em acontecer. Seja com amigos e famílias que apresento e faço questão de visitar com os meus viajantes, seja com os meus momentos pessoais com os grupos em que sou eu e sou assim. Claro que há pessoas que não gostam, ficam a olhar de sobrolho levantado e a pensar que não estou a produzir algo suficientemente interessante para a sua viagem. Acaba por ser tudo sobre quem viaja e onde estão a viajar. No entanto eu também lá estou e viajo à minha maneira na viagem que possibilito a que seja viajada por cada um que comigo viaje. E que bom!

Todos temos telhados de vidro e o mundo, como o tempo, move-se para a frente e dificilmente voltamos atrás. Ninguém quer perder a tecnologia que salva vidas nos hospitais. Ninguém quer perder os facebooks, instagrams e wikipedias desta vida. Ninguém quer deixar de poder ligar para o outro lado do mundo para ter informações sobre familiares, amigos, etc. Percebo isto, mas gostava que também todos percebemos que, da mesma forma que os familiares, amigos e etc., estão do outro lado do mundo e podemos comunicar com eles pelo que alcançamos até hoje como raça humana, também outros têm de abdicar do que ainda têm para podermos ter essa evolução. É um discurso bonito e sentido da minha parte sem dúvida. Mas também é um apelo aquilo que de mais sagrado há em nós.

Há muitas maneiras de estar no mundo, a ler livros, contemplar montanhas, no instagram, a trabalhar, etc. mas há uma coisa absolutamente essencial que temos de manter e nunca perder. Acredito na nossa singularidade, no nosso interior único que tem de ser descoberto e posto ao serviço, primeiro, de cada um e depois do todo. Temos de ser mais ovelhas negras, não a desafiar a autoridade, mas a questionar o que nos rodeia e o que queremos. Temos de exigir que nos oiçam e nos dêem a possibilidade de sermos nós e só quando o conseguirmos fazer haverá possibilidade de saber onde caminhamos, para onde caminhamos. É que do lado dos vencedores estamos a caminhar para vencidos e do lado dos vencidos apenas reza o que os vencedores escrevem e em nenhum deles está uma história do que verdadeiramente somos senão do que temos feito.



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