quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Birmânia: um país cheio de contrastes.

Myanmar, ou melhor Birmânia para os amigos! Este país que tem o nome oficial criado num encontro onde os fortes impuseram aos fracos as suas condições e a sua vontade. Assim continua a história volátil de um país fustigado por várias guerras dentro das suas fronteiras e interesses económicos devido aos seus vastos recursos já explorados ou por explorar. Podia escrever um texto sobre isto e tirar ilações, mas prefiro focar-me no que ficou marcado em mim destes 14 dias a viajar pela Birmânia (escrevo este nome porque efectivamente tomo uma posição contra um regime que destruiu e ainda hoje tem repercussões e controlo no país).

A Birmânia é um país de contrastes onde as cidades sobrepovoadas sofrem dos males disso mesmo:  poluição; sujidade; poeira; lixo; lojinhas; restaurantes e motas atulhadas onde é possível atulhar, mercados onde o peixe, a carne e os vegetais sobressaem entre mil e uma bugigangas ao ar livre e onde apenas os sacos de plástico agitados na ponta de pauzinhos pelas respectivas donas  impedem (por vezes com sucesso) que as moscas lá pousem; cheiros fortes; e ainda algumas características da baía de bengala como a paan (mistura de folhas e nozes de betel com especiarias e ... cal) cuspido no chão que dá uma tonalidade às ruas avermelhada e um sorriso avermelhado ou sem dentes a muitos homens e mulheres; ruas onde os homens com os seus longyis com padrões quadriculados e mulheres com uns mais elaborados e coloridos com os rostos abundantemente cobertos de thanaka (árvore cuja madeira em pó se mistura com água e algum óleo essencial e serve de protector e hidratante natural da pele), realizam os seus afazeres; crianças a pé ou em bicicletas e de uniforme a entrar e sair das escolas, enfim uma panóplia de pessoas no seus afazeres diários em praticamente tudo iguais aos nossos.

Toda esta imagem citadina, digna de real preparação para quem quiser ir à Índia, muda com o avançar do comboio saltitante pelo campo fora e transforma-se em tempo parado. Seja nas montanhas onde algumas pessoas ficam surpreendidas com a minha espessa e grande barba preta, seja nas crianças que primeiro desconfiam e depois gritam e correm aos pulos connosco em mil brincadeiras, seja nos adultos que apesar da barreira linguística nos abrem as suas portas de casa onde os mais idosos fumam os seus cigarros verdes apenas com tabaco local e conversam com as visitas que ocasionalmente lá vão passando. A vida ao longo dos rios mantém-se também inalterada com o comércio local e tradicional a voltar a florescer, servindo a  viagem de dois dias de barco ao longo do rio irawady para perceber e absorver mais isto de forma linda e memorável. Em tudo oposto aos opulentes cruzeiros ao estilo de Hercule Poirot pelo rio Nilo, tínhamos tempo para ler, meditar, conversar, ver incríveis pôr e nascer do sol, enquanto combatíamos a corrente rio acima e víamos as vidas, lixo e histórias que o rio quis contar.

Sentimos que o povo birmanês, apesar de vasto (mais de 50 milhões), composto por tribos e etnias diferentes, com lutas internas que em muito dificultam o deslocar pelo país, são hospitaleiros e orgulhosos das suas raízes. Pode não haver noção de nacionalidade enquanto identificação com um país; pode haver pobreza e corrupção; dificuldades em viver e deslocar-se por parte dos turistas mas sem dúvida vale a pena visitar e perceber isto com os olhos para retirar ilações do que é um país em vias de crescimento turístico e dos erros e oportunidades que isso acarreta. Uma palavra ainda de desilusão para a forma como Bagan é tratada, e este local que podia ser UNESCO não é, porque simplesmente todos, deste turistas até ao regime o utilizaram e utilizam à sua vontade sem se responsabilizar pela sua manutenção e esplendor a não ser vender o local sempre e continuamente independentemente de tudo. Infelizmente todos somos coniventes. Há que mudar e repensar a abordagem.

A nossa viagem fica marcada também pelas pessoas que conhecemos e nos acompanharam nestas explorações, o Kyiota e a sua passividade em todas as situações, a Rioko e o seu espanto e interesse genuínos, o Hely com as suas palavras sábias e energia tranquilizadora, o Bertrand e o seu sorriso único e vivo e a incontornável Elena e os seus devaneios e energia contagiante que só o seu sorriso também único sabe expressar.

Em breve fotos para ilustrar os nossos 14 dias de aventuras e desventuras. Agora um mergulho e relaxar a preparar outra viagem! Até jáaa :-)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O generoso luto da Tailândia








"O rei morreu, o rei morreu!" gritava-se nas ruas entre choros e lágrimas agora libertadas pelo fim da vida devido à idade avançada e saúde débil do rei da Tailândia que lhe cessavam assim o seu reinado. O dia chegou, enfim, como teria de chegar e o povo respondeu com saídas e concentrações massivas de pesar em templos, perto dos palácios e, em particular, junto da residência oficial da realeza Tailandesa, o palácio real em Banguecoque onde a bandeira estava já a meia haste desde a declaração oficial da triste notícia que lançou a sombra do luto por um ano na vida dos tailandeses mais devotos. O país adaptou-se à nova realidade e, vestindo agora de preto ou branco, assiste aos ritos e continuação no ciclo do samsara deste homem que tudo fez e tudo deu pelo seu país, na preservação da paz e transição pacífica e sem transtornos demais entre os sucessivos governos militares oriundos dos respectivos golpes que os colocaram no poder.

A Tailândia é hoje um país virado para o turismo nas praias, no sexo, para o moderno, com os seus arranha-céus, lojas de luxo, tecnologia de ponta mas onde o antigo persiste e assenta nas tradições milenares budistas espalhadas pelos templos e monges vestidos de laranja que passeiam por todo o país dando benções e fazendo peditórios. Nos seus mercados encontram-se frutas e comidas picantes como o pad thai ou a papaya salad, sorrisos e conversas honestas, cheiros fortes e intensos e um mundo de negócios e trocas das mais variadas. Polvilhado pelos excessos que o turismo trás (desde o álcool em excesso, passando pela prostituição e degradação da fauna e flora provocada por explorações turísticas entre outros) nota-se um misturar de tradição e cultura com estes ciclos turísticos na exploração desta parte do Sudoeste Asiático. Hoje estou a falar do quanto este povo gosta do rei ido e o porquê disso, através da simples partilha de que é o dia em que o rei faz anos e como tal, praticamente toda a comida em todos os mercados é gratuita a par de alguns transportes (motas e autocarros em particular). Assim foi durante os últimos anos do reinado deste rei que é visto e tido por muitos como santo pois conseguia ter a distinção da nobreza e a linguagem do povo enquanto mantinha a religião sempre ao lado das suas fiéis máquinas fotográficas. Rei por 70 anos, para o mundo público com o nome de Rama IX, para o mundo privado conhecido como Bhumibol Adulyadej, este homem era o profissional da realeza há mais tempo em actividade em todo o mundo na história moderna. Hoje, dia 5 de Dezembro celebrava-se o seu aniversário e mais uma vez todos saíram à rua para comer e beber de borla e todas as revistas vinham com ele na capa, desde as tailandesas até à Vogue, Elle e outras que tais, o rei está presente na vida das pessoas que o vêm agora sim, como verdadeiro santo e pai que do além ainda se preocupa com as suas crias enquanto realiza longos ensaios fotográficos com Buda. Parte por força do destino, parte por imposição pessoal, o rei teve de se valar da sua figura e impor uma presença e domínio fortes junto do povo, com o respectivo culto da personalidade e santificação, como forma de preservar e garantir a transição segura entre governos e períodos conturbados da história recente da Tailândia. Era por isso um ponto de união, mais consensual para quem cá vive, menos para quem observa de fora. O rei passa, morto e não nu e a Tailândia mantém a sua humildade e honestidade nos sorrisos, hospitalidade e comida que distribuem nos mercados e oferecem com tanto empenho e entusiasmo. 


Agora vou degustar este manjar que reunimos eu e a Cami, a pessoa mais linda e incrível, enquanto caminhávamos pelas ruas da cidade de Phitsanulok e que servirá para o jantar de hoje e pequeno-almoço e almoço de amanhã :) Em nossa defesa, até parecia má educação recusar o que nos iam oferecendo tão intrépida e insistentemente! :-)

Entretanto os vistos eletrónicos para a Birmânia estão pedidos e assim que tivermos luz verde, nova aventura por este país que há tanto tempo nos chama! :-) Fiquem ligados :-)

Sorrisos felizes e pensamentos solarengos :-)