sexta-feira, 27 de julho de 2012

Perto do fim: da India, da Asia, do tempo.


Olá a todos e bem vindos a mais um episodio da vida no mundo, hoje vao ouvir falar de ... :D

Estou neste momento em Delhi, na véspera de regressar a Kolkatta de onde voo para Bangkok depois de amanhã e onde inicio a minha viagem que me vai levar a um novo continente, a América. Mas antes disso, mais notícias da Índia
Nos últimos dias tenho vivido experiências magníficas, desde as burocracias indianas em Delhi, passando por chuvadas e dias de calor e humidade como só imaginamos em Portugal, até tentar jejuar enquanto vivi com uma família muçulmana em kashemira.

Copos de barro para o cha

Em Delhi passei cerca de treze dias a viver com a Shyla, a namorada indiana de um amigo português, que me acolheu enquanto a Lauren fez um curso Vipassana de dez dias. Durante este tempo pude ver algumas coisas da cidade que os turistas normalmente não vêm e percebi um pouco mais sobre o quão complexa é a burucracia Indiana, por exemplo para ter um novo passaporte é preciso preencher mil papéis, pagar imenso dinheiro e esperar imenso tempo após tudo isto. Já sem contar com as filas e horas nelas perdidas em esperas por vezes infrutíferas. Tirando estes passeios aproveitei para lhe ensinar português, cozinhar, tornar-me movie addicted com longas horas a ver filmes na TV (também faz parte da viagem ehehe) e a falar sobre os problemas da Índia como a sobrepopulação, a corrupção, a violência (física e psicológica) e por ai fora. É a outra face da incrível Índia.

Ruinas de uma mesquista, madrassa e tumulo de um imperador Moghul em volta de um lago que ants serviu de reservatorio

Após estes dias de relaxamento em casa, até porque o calor e a humidade lá fora pouco mais permitem que ir comprar alguns mantimentos para ter em casa, pelo menos para mim que não estou habituado a estas condições climatéricas que são duras, imaginem andar dez minutos e chegar ao outro lado da rua todos suados. Só custa a primeira caminhada mas depois de uns dias a faze-lo apetece-nos descansar e não andar todos molhados o dia todo, perde-se a vontade de sair ... Quando estive em Cabo Verde, em voluntariado, as condições eram semelhantes mas acabamos por nos adaptar mais depressa pois o trabalho e as pessoas que temos pela frente são um incentivo extraordinário, agora enquanto viajo sinto um pouco que prefiro descansar e retemperar forças para o resto da viagem.  Entretanto sabe bem saber os preços dos rickshaws e das demais coisas, orientar-me na cidade e regatear com os condutores de rickshaw em hindi (ainda que rudimentar) :D

Bom, nos ultimos dias, de Delhi seguimos, eu e a Lauren, para Kashimira e para os rumores de guerras, conflitos ainda patentes nas vidas das pessoas e o mundo muçulmano em força. Uma vez lá chegados e sem sítio para dormir paramos numa farmácia para comprar um medicamento e em conversa com o proprietário da farmácia, o Shakeil, somos convidados para ir viver com a família dele. Após alguma conversa lá acabamos por aceitar e passámos uma semana na companhia dele e da sua família. foi fantástico e deu para perceber algumas coisas mais sobre o conflito que desde 1947 aflige esta região.

Jardins proibidos ou jardins moghuls como por ali sao chamados

Casas em pedra e com arte, gosto.


Kashemira é um enclave no norte da Índia que faz fronteira com o Paquistão, a China (Tibete) e o Afeganistão. Possui muitos rios que produzem energia eléctrica e montanhas que tanto no verão como no inverno são um deleite para as massas de turistas que afluem aos Alpes, Pirinéus ou Himalaias e que podem passar a rumar aqui em busca de aventuras como trekking (Verão) ou ski (inverno) entre outras actividades culturais. Por enquanto sao mais os indianos que se deliciam por aqui. Como tal a Índia não quer abdicar deste pedaço de terra e os Kashemiris suportados por um Paquistão que por ver muçulmanos sob domínio estrangeiro, os suporta, evidentemente, mantendo um olho na sua cota parte caso essa independência chegue. Parece um tanto ou quanto improvável que venha pois são muitos os interesses económicos da Índia.

Para os amantes dos canabinoides por estas zonas encontra-se no estado natural e com facilidade canabis.

Verao e assim, no inverno e tudo branco.

Capuchinhos vermelhos e florestas :)

A ver passar o dia.

Paz, agua, verde e vacas onde elas pertencem (no campo).

é inegável que Kashemira é um estado totalmente diferente do resto da Índia, seja pela sua geografia, mas também pelas pessoas que, sendo maioritariamente muçulmanas, vivem com algumas regras diferentes do resto da Índia. Certo é que a indústria do armamento e dos uniformes militares ganha tremendamente com este negócio da guerra e os políticos corruptos por princípio que fecham os olhos e mantêm o estado da coisa enriquecem também. No final uma população sujeita a recolheres obrigatórios e privações de electricidade, água e bens gerais, vive com os seus fantasmas e a sua filosofia sufi ou muçulmana plenamente instalada. Este é, aliás, outro factor principal para o problema de Kashemira. Os muçulmanos aqui não são fundamentalistas, mas vivem o Islão de acordo com as premissas mais agressivas do Corão. Por exemplo para eles uma "jihad" ou "futewad" é algo natural pois invoca a defesa perante deus e os homens dos bens mais essenciais do ser humano. Seja em defesa da sua pessoa, ou de outro (familiar ou não) qualquer muçulmano pode faze-lo como forma de libertação e é isso que têm feito nas últimas décadas em Kashemira originando conflitos com mortos ou feridos graves. Portanto se culpados houvessem desta situação, penso que todos são alvo para ter um dedo apontado.

Vestimenta tradicional em pashemina

Vivi uma nova experiência no mundo islâmico e que passa por realizar jejum. Esta é a altura do ramadão e como tal desde as 4 horas da manhã até as às 7h30 da noite faz-se jejum que implica nem comer nem beber nada. Às três horas da manhã acorda-se para rezar e quebrar o jejum, depois durante o dia reza-se mais que o normal e vive-se a vida diária um pouco mais lentamente já que sem comida há que proteger o corpo. Depois às 7h30 quebra-se o jejum e comes-se após rezar e antes de ler o corão. Este jejum é uma forma de limpar os pecados e realizar um sacríficio por todos esses pecados cometidos durante o resto do ano, serve portanto para limpar a alma. As mesquitas e os seus imans ou mulás, estão constantemente activas com leituras do Corão, que na verdade são cãnticos devido à entoação que nelas é colocada, orações e conselhos aos fiéis. Enfim é um mundo novo e uma nova experiência que não foi totalmente aproveitada pois não nos deixaram jejuar por sermos convidados lá em casa. De resto é um adaptar às maneiras locais. Os homens não falam com mulheres com quem não têm relação a não ser que ela se dirija a eles, as mulheres usam os cabelos e o corpo cobertos e ficam preferencialmente em casa a tomar conta das crianças e da casa. Todavia têm liberdade para sair e fazer coisas na rua. Se falarmos com as mulheres ou raparigas para elas é inconcebível viver noutras circunstâncias pois é a forma como foram educadas e por isso tudo o que conhecem. Mesmo com internet e abertura ao mundo há ainda muita gente que vive ali parada no tempo.

Familia com quem bebemos "noon chay", cha com muuuuito sal e tradicional em Kashemira.

Costumes que nao mudam

Mais que noutros sítios como o Irão por exemplo e até um pouco mais que em Oman, em Kashemira senti um Islão parado no tempo. Um Islão que tal como a igreja católica corre o risco de desaparecer, mas porque não desaparece então? Simples, enquanto a libertação da mente e da religião na Europa e mundo ocidental fez com que o catolicismo seja algo que não serve os propósitos de vida, liberdade e felicidade de cada vez mais pessoas, aqui isso não se verifica pois a religião mantém um controlo feroz sobre a população, vive-se hoje em dia segundo os mesmos princípios que os muçulmanos vivem desde o início do Islão. Princípios estes que são controlados e adaptados há medida que é necessário pois a Sharia de um país ou região pode ser levada mais à letra e ser mais exigente para com os fiéis consoante a vontade dos homens. É aqui que reside a semente dos separatistas e fundamentalistas que originam terroristas. Um terrorista é um conceito não existente para um muçulmano nestas condições pois tudo o que seja feito em defesa da sua soberania ou liberdade é aceite por deus e garante entrada no céu. Como tal perder a vida por uma causa associada com estas máximas é o melhor que lhes pode acontecer. Isto é ensinado em Kashemira. Não me interpretem mal com o que aqui disse, não pretendo dizer que são todos terroristas em kashemira ou terroristas "wanna be", mesmo no restantre mundo muçulmano (até porque fomos extremamente bem acolhidos e tratados durante uma semana), mas sim que existem mentalidades e formas de ver as coisas bem diferentes das que pensamos quando propagamos a democracia aos quatro ventos e cometemos atrocidades em nome de um conceito que cada vez é mais corrupto e esquecido na nossa Europa.

E bom. já chega de ideias, neste momento estou a aproveitar o meu penúltimo dia em Delhi e tenho de ir ao alfaiate reparar o meu saco de viagem que tem viajado comigo desde Oman e que muito estimo. Ao mesmo tempo que lavo as últimas roupas e me vou despedindo da Ásia, foram, até agora, dez meses e dois dias de viagem que se traduzem num amadurecimento em viagem que me faz querer ficar mais tempo num local, cerca de 10 dias pelo menos a viver com pessoas e conhecer as suas vidas mais de perto. Inevitavelmente viajo mais pelos países mas ganho muito mais em termos de calor humano e diversidade que tanto contribui para a nossa unidade enquanto seres humanos e passageiros nesta viagem fantástica pelo tempo, a alma e o mundo.

A tradicao nao a impediu de pousar ... podemos nos tambem fazer o que nao nos deixam?



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