quinta-feira, 12 de abril de 2012

Macau um dia.

Museu Marítimo de Macau: Nau (versão 2.01) quinhentista.

As ondas estilhaçam-se contra o casco do navio, somos empurrados para todo o lado, mas fielmente seguimos o curso traçado entre as ilhas e ilhéus em busca daquele paraíso perdido tão cantado em cartas e livros idos. À minha volta um sentimento de expectativa e angústia cresce, seja por nos aproximarmos de Macau, seja por o mar estar revolto. Mas a pouco e pouco lá vem uma camada de confiança que nos cobre e permite realizar o último esforço. Atracamos finalmente após quase duas horas conturbadas, as pessoas começam a sair em catadupa para o porto que agora existe. Antes os barcos ancoravam ao largo e grandes botes carregavam bens e pessoas até à praia onde uma mistura de comerciantes vinha prontamente tentar levar os tão necessários bens para as suas fazendas, casas, fábricas, enfim para manter o seu negócio.

Museu de Macau: Recriação transporte e compra/venda de produtos em Macau.

Mercadores com longas vestes de seda verde, chapéus pequenos e pontiagudos negros como o carvão e grandes colares cunhados  com a informação sobre o seu negócio, marcados por um olhar aguçado e um bigode fino e comprido, um regateador nato que discute com outro mercador vestido numas botas de cabedal brilhantemente tratadas, que se encontram no final de umas ceroulas amarelas e de um casaco verde e uma espécie de gorro vermelho. Um pavão, por outras palavras, que através da sua extravagância e por entre a barba e comprida e esbranquiçada de tantas viagens marítimas, tenta, com os seus olhos negros e profundos, convencer o cantonês das qualidades da sua mercadoria. À volta deles a vida segue normal, os outros comerciantes fazem negócio, os cantoneses carregam as mercadorias dos seus senhores ou mestres, as donzelas são escoltadas pelos seus pretendentes até aos papás que ansiosamente esperavam por tão preciosa carga. Os padres Jesuítas evangelizam ali mesmo os recém chegados e tentam roubar mais uns quantos infiéis que se encontram a rezar à deusa A Má no templo dos navegadores a ela dedicado junto à praia. Já os soldados apenas olham de quando em vez para verificar se há distúrbios enquanto lançam os dados numa demanda de sorte e mais uns reais para gastar em bebida e raparigas locais logo à noite.

Museu Macau: Recriação das primeiras trocas comerciais com o Oriente.

Entro também eu neste mundo e sigo pela estrada principal ao longo da costa até ao centro da cidade onde as calçadas de pedra portuguesa, as ruas com casas de fachada mista entre um estilo português tradicional nas portadas e arquitectura típicas do alentejo por exemplo e alguns traços mais orientais, como os potes e imagens esculpidas que se podem encontrar ao longo de algumas janelas e portas a par das gaiolas em madeira trabalhada onde pássaros estranhos cantam, dão um brilho único e uma cor e sons diferentes a esta atmosfera multifacetada. É uma mistura entre o Ocidente e o Oriente, onde por estas ruas apesar de tudo tão portuguesas se podem ouvir os apregoadores no seu cantonês, os sons misturados de rodas e vozes por entre os gritos dos pregões que tudo suprimem à sua volta. Os potes de barro onde sopas e chás se aquecem deixando sair livremente uma linha de fumo e cheiros que se imiscuem no ar e atraem qualquer um. Eu misturo-me em tal atmosfera com a humidade e o calor presentes e começo a suar. No barco ao menos o vento livrava-nos desta praga, como afastava também a maioria dos mosquitos que por aqui voam livremente.

Ruas e ruelas que são as nossas sequelas.

A cidade não é grande, facilmente se anda para e por todo o lado com a constante de se passar por velhos que jogam cartas e xadrez chinês, jovens que carregam bens para as mercearias ou para casas mais ou menos abastadas. Crianças que correm semi nuas por entre as pessoas em brincadeiras e gritarias esforçadas, mulheres que das janelas negociam com os pregoeiros(as) o que estes tentam vender enquanto param a costura que tão dedicadamente praticam nas horas de prisão em casa enquanto o marido anda em aventuras marítimas, comerciais ou indiscrições por lupanares afins.

Encontro um albergue com comida e dormidas, num sótão vou estabelecer-me por uns tempos e ter como companhia a mesa longa, a cama com um colchão duro de folhas de bambu e ainda uma bacia para me lavar. Pouca coisa nesta casa já antiga e de pé direito baixo ... amanhã exploro a parte oriental da ilha onde o sal e as ostras estão guardadas para produzir algumas das riquezas que daqui se levam para o mundo a par de tudo o que aqui passa proveniente dos cantos mais remotos do império. Talvez um dia se aposte a sorte destes terrenos em locais de jogo pois parece que todo o mundo se cruza aqui!

Os mundos são sempre coloridos, mesmo quando se encontram!

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